OPINIÃO

CONSÓCIOS

Quinta, 15 Agosto 2019 21:00

Nina Rodrigues - Elo Científico Entre o Direito e a Medicina

Oportuno recordar RAYMUNDO NINA RODRIGUES, esse maranhense que entre suas glórias está em ter introduzido no DIREITO PENAL BRASILEIRO os postulados da Escola Positiva de FERRI, GARRAUD e outros, como também pelos seus notáveis estudos, pelas corajosas e valiosas pesquisas científicas, em que pese que vivendo em País então pouco conhecido e pouco considerado nos meios médicos da Europa, seus trabalhos foram elogiosamente recebidos e comentados no velho continente e muitos deles traduzidos e publicados em revistas especializadas de países europeus. LOMBROSO considerou-o mesmo como o “Fundador da Antropologia Criminal no Novo Mundo”. Autor de cerca de sessenta trabalhos científicos, estudados, esgotados e esquadrinhados por todos os ângulos, teve o mérito de ser conhecido e admirado pelos seus patrícios, por figuras das mais eminentes que o Brasil tem possuído, como sejam: RUY BARBOSA, CARLOS DE LAET, TOBIAS BARRETO, OLIVEIRA MARTINS e tantos outros.
 
 A projeção internacional desse maranhense — médico clínico, legista, antropólogo criminal, neurologista, psiquiatra, psicólogo, sociólogo, historiador e etnólogo — que nascido do interior da sua terra, em Vargem Grande, de pais modestos, viria a ser, pelo próprio esforço, um dos grandes valores mundiais da antropologia criminal e da medicina legal.
 
Deixou discípulos de grande estatura moral e intelectual. Diz-se que quem quiser conhecer o mestre procure conhecer os seus discípulos. Então bastaria citar AFRÂNIO PEIXOTO, ULISSES PARANHOS, ULISSES PERNAMBUCANO, ULISSES VIANA, LINS E SILVA e OSCAR FREIRE, todos discípulos de NINA RODRIGUES, para darmos uma idéia de quem teria sido o mestre. OSCAR FREIRE, que era baiano, indo para São Paulo, criou naquele Estado, a medicina legal em moldes modernos. Iria ser como de fato o foi, o mestre inolvidável de várias gerações de médicos legistas de São Paulo. Vários paulistas que se tornaram mais tarde grandes expressões da MEDICINA LEGAL, são filhos intelectuais de OSCAR FREIRE e, portanto, netos espirituais de NINA RODRIGUES.
 
Em alguns dos seus estudos, de fato, aludiu à inferioridade dos mestiços, sendo, via de conseqüência, acusado de ariano, de alimentar preconceitos raciais. É de se ressaltar, no entanto, que na sua época vigiam esses preconceitos com foros científicos, NINA RODRIGUES não podia fugir à influência dessa ordem de idéias divulgadas e aceitas em reputados centros culturais da Europa. Ninguém como ele estudou-os como objeto de ciência. O haver-se impressionado momentaneamente por uma idéia dominante no seu tempo não autoriza a acusá-lo de racista.
 
Destaque-se que no prefácio do livro “O NEGRO BRASILEIRO”, cuja edição inaugural veio a público em 1934, é o seu próprio autor ARTHUR RAMOS que escreve: “Os trabalhos de NINA RODRIGUES são ponto de partida indispensável ao prosseguimento e estudo sistematizado e sério sobre o negro brasileiro”. É a ele que nós devemos na expressão de AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO, a substituição do conceito convencional do negro como símbolo literário do martírio de uma raça pelo conceito convencional do negro como homem, tomado no sentido social, étnico, político, religioso, dentro do próprio círculo da vida. Foi ele que revelou os tipos raciais diferentes e os graus variados de cultura, que a uniformidade aparente do verniz pigmentário escondia; esboçou as linhas fundamentais para o estudo da arte negra, entre nós; mostrou o sincretismo profundo entre as crendices do feiticismo africano e o catolicismo das massas brasileiras; em suma, contribuiu como ninguém para a formação da atitude espiritual que é a nossa atualmente e que consiste na consciência e na aceitação dos elementos com que os afro-ameríndios contribuíram física e espiritualmente para a organização da sociedade.
 
 NINA RODRIGUES, morreu em Paris em 1906 com apenas 44 anos, e, dos trinta anos até sua morte, construiu uma obra extraordinária, que ainda hoje constitui, em grande parte, o nosso alicerce em matéria de direito penal, de antropologia criminal e de tudo aquilo que se relacione com este ramo enorme, belo e incomparável da ciência, que é a MEDICINA LEGAL — o ponto onde os cultores do direito e os profissionais da medicina se encontram para esclarecer os problemas médico-legais e para procurar o bem da humanidade.
 
Era ele um revoltado, no fim do século XIX, contra as nossas leis penais vigentes, e teve a coragem de apontar à PÁTRIA a maneira como nos deveríamos conduzir em matéria de DIREITO, em questões de MEDICINA LEGAL. Foi um grande renovador, e aqui está o traço marcante de sua personalidade. Nele havia, e em abundância, inteligência, capacidade de trabalho, idealismo, patriotismo e coragem.
 
(*) O autor é membro do Conselho Superior do INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS (IAB), tendo exercido cargos e funções executivas, tanto em instituições públicas, como em empresas privadas de diversos ramos.

 
ROGERIO ALVARO SERRA DE CASTRO (*)
ADVOGADO
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