OPINIÃO

CONSÓCIOS

Terça, 19 Março 2024 18:10

Precisamos falar de segurança pública

Por ocasião de todo período eleitoral, alguns temas vêm à tona e são alvos de debates entre os candidatos e diante dos diversos veículos de comunicação. Entre esses temas, de interesse da sociedade, destaca-se a questão da violência e da segurança pública.

Em recente pesquisa do Datafolha a segurança pública, a violência e a polícia estão entre as maiores preocupações dos brasileiros, com 17%, perdendo apenas para preocupação com a saúde com 23%.  

Segundo o Atlas da Violência 2023, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e de acordo com o Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS), em 2021 houve 47.847 homicídios no Brasil, o que corresponde a uma taxa de 22,4 mortes por 100 mil habitantes.  
 
É certo que os mais vulneráveis são os que mais padecem com a omissão do Estado no que diz respeito à adoção de políticas públicas e sociais inclusivas. De igual modo, não há como negar que a população mais carente e marginalizada é, também, a mais atingida pela criminalização – primária e secundária – e pela violência estatal. 

Os dados trazidos pelo Atlas da Violência revelam que tanto para homens quanto para mulheres, os negros (pretos e pardos) são as principais vítimas dos homicídios: 76% entre os homens e 66% entre as mulheres. 

A seletividade do sistema penal fica evidenciada nos dados da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, segundo o qual 6.429 pessoas morreram pelas mãos de agentes públicos no ano de 2022 – uma média de 17,6 por dia. O Anuário aponta que a maioria das vítimas é do sexo masculino (99%), negra (83%) e jovem (45% tem de 18 a 24 anos). 

Os problemas e dilemas da segurança pública brasileira, notadamente nas grandes cidades, são reflexos de um legado político autoritário. Para o professor Robson Sávio Reis Souza - especialista em Estudos da Criminalidade e Segurança Pública - “as bases do sistema público de segurança (ainda) estão assentadas numa estrutura social historicamente conivente com a violência privada, a desigualdade social, econômica e jurídica e os ‘déficits de cidadania’ de grande parte da população”. 

Desgraçadamente, quando o Estado faz a opção pelo uso da força, os vulneráveis (pobres, negros e favelados) – os mesmos que integram a grande maioria da população carcerária – são os principais alvos da repressão para atender os desejos, conscientes e inconscientes, dos endinheirados e de uma classe média conservadora, preconceituosa e moralista.

Diante dessa situação é imperioso que se reduza drasticamente a desigualdade social e os déficits de cidadania. 

A questão carcerária e do encarceramento em massa é outro grande problema que precisa ser enfrentado sem demagogia e sem medo de desagradar aqueles que insistem no discurso oco da impunidade. A população carcerária com mais de 800 mil presos, segundo último levantamento – terceira maior do planeta –   aumentou 257% desde 2000. A maior parte dos presos é negra (68,2%) e tem de 18 a 29 anos (43,1%), segundo os dados da 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Não obstante, hodiernamente, tem sido comum recorrer ao “discurso contra a impunidade” para fomentar a necessidade de incrementar o Estado penal em detrimento do Estado social. O discurso da impunidade, no dizer de Ricardo Genelhú “tem servido de motivo para uma suposta restauração da “segurança social” quando na verdade, serve ela mesma, per se, é de desculpa para a perseguição ao “outro” (...)”. 

Não se pode negar que o discurso midiático - criminologia midiática - da impunidade, contribui sobremaneira para o avanço do Estado autoritário e para a cólera do punitivismo. 

Atingidos pela criminologia midiática e pelo discurso da impunidade, políticos tendem a apresentar projetos de leis com viés autoritário, conservador e reacionário. Já os juízes, tendem agir de igual modo quando usam e abusam das medidas repressoras e de exceção, como a prisão preventiva, transformando a medida excepcional em regra e em antecipação da tutela penal, ou quando fixam penas privativas de liberdade bem acima do razoável em nome de uma prevenção geral positiva e/ou negativa e do apelo à prevenção especial negativa – neutralização e incapacitação do infrator - em prejuízo dos princípios garantistas, notadamente, o da culpabilidade. 

Não, definitivamente a segurança pública não pode ser tratada e enfrentada apenas e tão somente como questão de polícia. A questão da segurança pública vai muito além da repressão e da “política penal”.

Leis draconianas, fruto da sanha punitivista,  que extinguem direitos e garantias fundamentais, que criminalizam o agente (direito penal do autor) e que elevam penas a patamares estratosféricos – como se o direito penal fosse a panaceia de todos os males da sociedade - em nada, absolutamente em nada, contribuem para o enfrentamento da violência.

Numa sociedade de classes, destaca Nilo Batista, “a política criminal não pode reduzir-se a uma ‘política penal’, limitada ao âmbito da função punitiva do estado, nem a uma ‘política de substitutivos penais’, vagamente reformista e humanitária, mas deve estruturar-se como política de transformação social e institucional, para a construção da igualdade, da democracia e de modos de vida comunitária e civil mais humanos”.  

Por tudo, apesar das últimas propostas apresentadas e aprovadas pelo Congresso Nacional, roga-se aos representantes do povo brasileiro - em nome do Estado Constitucional e da Democracia – que passem a enfrentar a questão da violência e da segurança pública sem hipocrisia e, sobretudo, como uma questão social e de políticas públicas. 
Belo Horizonte, 14 de março de 2024

Leonardo Isaac Yarochewsky
Membro efetivo do IAB
Advogado Criminalista
Doutor em Ciências Penais pela UFMG

 

Artigo publicado no site Migalhas

OS MEMBROS DO IAB ATUAM EM DEFESA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. FILIE-SE!
NAVEGUE FÁCIL
NEWSLETTER
SEDE
Av. Marechal Câmara n° 210, 5º andar
Centro - Rio de Janeiro - RJ
CEP 20.020-080
SUBSEDES
Rua Tapajós, 154, Centro
Manaus (AM)
-
Av. Washington Soare, 800
Guararapes, Fortaleza (CE)
-
SAUS, Quadra 5, Lote 2, Bloco N, 1º andar
Brasília (DF)
CEP 70438-900
-
Rua Alberto de Oliveira, nr. 59 – Centro – Vitória – ES
CEP.: 29010-908
-
Avenida Alcindo Cacela, n° 287
Umarizal, Belém (PA)
-
Rua Heitor Castelo Branco, 2.700
Centro, Teresina (PI)
Rua Marquês do Herval, nº 1637 – sala 07
Centro – Santo Ângelo - RS
CEP.: 98.801-640
-
Travessa Sargento Duque, 85,
Bairro Industrial
Aracaju (SE)
-
Rua Washington Luiz, nº 1110 – 6º andar
Porto Alegre – RS
Horário de atendimento 9h00 às 18h00, mediante agendamento ou todas às 4ª Feiras para participação das sessões do IAB. Tel.: (51) 99913198 – Dra. Carmela Grüne
-
Rua Paulo Leal, 1.300,
Nossa Senhora das Graças,
Porto Velho (RO)
CONTATOS
iab@iabnacional.org.br
Telefone: (21) 2240.3173