No dia 19 de abril é celebrado o Dia dos Povos Indígenas, conforme instituído pela lei 14.402 de 2022, que revogou o vetusto Decreto-Lei nº 5.540 de 1943, cuja redação, arcaica, falava em "Dia do Índio", expressão hoje reputada inadequada.
Os povos indígenas têm sido submetidos há séculos a duradouro processo genocida, consubstanciado não apenas na eliminação física, como também cultural, espiritual e social. Têm sido alijados de suas terras históricas e submetidos a condições de vida precárias e degradantes. Os recentes anos foram pródigos em tais episódios: podemos citar o massacre dos Wajãpi por garimpeiros no Amapá em julho de 2019 e a grave crise humanitária entre os Yanomami. O bolsonarismo, afinal, foi inimigo declarado dos povos indígenas. Jair não disse com todas as letras que enquanto fosse presidente não haveria mais "nenhum centímetro" de terra indígena? Não apenas isso, como também estimulou o desmatamento e o avanço do garimpo sobre territórios, o que valeu ao Brasil reprimenda mundial pelo péssimo trato do meio ambiente.
Nesse contexto secular, é alvissareiro ver que, apesar de tudo, a luta indígena não esmorece e segue firme na busca por empoderamento. Para ficarmos em alguns exemplos, é uma grande felicidade ver Ailton Krenak na Academia Brasileira de Letras, Sônia Guajajara no histórico Ministério dos Povos Indígenas e a "bancada do cocar" de Célia Xakriabá na Câmara dos Deputados. Mais e mais espaços precisam ser ocupados, devendo ser resguardado, em todo caso, o direito à existência conforme os modos tradicionais, no respeito à cada cultura.
Acho importante, ao tratar desse assunto, que evitemos os perigos da lusofobia. Como dito acima, sabemos os males que os europeus trouxeram quando aqui desembarcaram. Sabemos que o povo brasileiro — isto é, não mais o indígena, nem o europeu e nem o africano, e sim a síntese dialética dessa bela miscigenação — nasce da tragédia; mas essa tragédia nós sublimamos e ressignificamos, fazendo o inventário do que somos, como diz o marxista italiano Gramsci (*). Esse exercício de autoconhecimento implica em compreendermos adequadamente os episódios do nosso passado, à luz das devidas mediações históricas e culturais, para, dessa forma, extrair lições rumo a um futuro melhor. Leituras binárias e reducionistas não ajudam. Nossa complexa formação, com episódios lamentáveis mas também heroicos e grandiosos — e não é exatamente assim a vida? —, constitui a "dor e delícia" de ser o que somos, como na música de Caetano Veloso.
(*) "O início da elaboração crítica é a consciência daquilo que realmente somos, isto é, um 'conhece-te a ti mesmo' como produto do processo histórico desenvolvido até hoje, que deixou em ti uma infinidade de traços recebidos sem benefício no inventário. Tem-se de iniciar este inventário". Em "Alguns Pontos Preliminares de Referência", nos "Cadernos do Cárcere" (1929-1935).
JOYCEMAR LIMA TEJO
ADVOGADO PÓS-GRADUADO "LATO SENSU" EM DIREITO PÚBLICO
MEMBRO DO INSTITUTO DOS ADVOGADOS BRASILEIROS
Abril de 2024
"Medo tem mas nós não usa"
(Célia Xakriabá)