OPINIÃO

CONSÓCIOS

Sexta, 25 Agosto 2023 18:33

A Pessoa com Deficiência e a Busca pela Efetivação dos Direitos Fundamentais: um enfoque jurídico sobre a acessibilidade atitudinal e o anticapacitismo

O Bloco de Constitucionalidade (Constituição Cidadã, Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e o Tratado de Marraqueche), assim como a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, obrigam a toda a sociedade que inclua, em todas as esferas da vida, esse contingente populacional, promovendo, protegendo e assegurando o exercício pleno e equitativo de todos os seus direitos humanos fundamentais e liberdades, promovendo, sobretudo, o respeito pela sua dignidade, tanto quanto zela pelos mesmos direitos das pessoas sem deficiência.

Apesar da farta e boa legislação, a sociedade ainda não assimilou que o modelo da deficiência mudou da visão médica para a visão SOCIAL. Isto significa dizer que é do corpo social a OBRIGAÇÃO de retirar todas as barreiras que coloca na frente dessas pessoas. No entanto, até esta data os obstáculos vêm sendo sobrepostos ao invés de serem exterminados. Quando um é "retirado", dois novos são implementados, valendo sobrelevar os tecnológicos. Por que a coletividade não cumpre a lei para esse segmento? Por que a lei não é o limite? Por que o pacto civilizatório não é respeitado? Por que a sociedade, pela força da cultura, imagina que essas pessoas são incapazes para: estar na pólis, maternar/paternar, trabalhar, amar, estudar, ocupar espaços de poder, etc. Por que reduz esse grupo à própria deficiência? a subumano? À luz da psicanálise é coerente afirmar que está a sociedade estruturada na perversão, pelo que o pacto civilizatório (lei) não é o limite. A cadeia de significantes para essa parcela – no imaginário social – ainda em 2023, é: desgraça, desventura, lástima, adversidade, incapacidade, dependência, improdutividade, monstruosidade, ignorância, prisão no mundo das trevas, e tantos mais verbetes depreciativos calcados no preconceito intitulado capacitismo. Mexer, implicar a sociedade acerca dessa temática é urgente, vez que a corponormatividade não tem mais espaço em 2023, ante a multiplicidade, diversidade que habita o planeta.

Por outro ângulo nutrem as pares sem deficiência o afeto do medo. De quê? de adquirirem no curso da existência uma deficiência que lhes remeta a residir no NÃO LUGAR, para onde remetem as iguais com deficiência. Por isso é que apagam e, por tabela, cancelam essas pares. Esse medo é real, tendo em vista as cidades cada vez mais armadas e, por conseguinte, mais violentas. Essa temática há que ser enfrentada para o bem-estar coletivo.

São muitas as modalidades de barreiras impostas às pessoas com deficiência, sendo que, para essa colaboração, será pinçada a atitudinal que entendo ser a mãe de todas as demais. Representam a chegada, acesso, a novas atitudes que, de fato, formem laços de afetos/sociais com o seguimento. Melhor trazer ilustrações práticas que possibilitem a compreensão da pessoa leitora.

Recentemente, por ter perdido o meu cartão de gratuidade do Metrô, tive que ir em busca de novo. No local me deram uma senha muito longe daquela que estava sendo apregoada. Tremi ao sentir o longo tempo de espera. Foi nesse interregno que me deparei com o capacitismo, bem com a ausência da acessibilidade atitudinal. Havia um monitor em cuja tela aparecia o número chamado, bem como o guichê para o atendimento. Ora, sou pessoa cega, pelo que não tinha acesso a essas informações preciosas. Tão naturalizado está o capacitismo que nenhum trabalhador percebia a necessidade de áudio para ler o monitor de chamada. Fui acompanhada e, obviamente, dirigi-me ao supervisor para fazer a reclamação. De modo protocolar, recebi um tapinha no ombro, gesto esse que decodifiquei como: cala a boca, fica na tua. É desse modo – naturalizado – que a sociedade arrasa a psique desses humanos com reiterados desmentidos, descréditos, desautorizações, levando-os a profundo e infinito sofrimento. Logo, urge quebrar os códigos culturais incutidos nas mentes.

Diante do explicito preconceito supra, coube-me fazer um discurso sobre acessibilidade atitudinal. Disse em bom tom: Ao invés de eu silenciar, vocês é quem deveriam abrir a boca para anunciar com muita clareza as informações de atendimento constantes no monitor informativo, já que as pessoas cegas estavam sendo, flagrantemente, excluídas da obtenção de seus direitos. Fui longe. Muitos ouvintes me deram razão, outros fingiram não ouvir.

Para tantas situações similares é que a saída é a ferramenta da acessibilidade atitudinal. Necessário chegar/acessar novas práticas/atitudes em substituição àquelas preconceituosas. Em uma sociedade extremamente consumerista é que tem cabimento indagar: Quanto custa mudar os maus hábitos? as más atitudes, a fim de acolher o próximo? Afirmo que custa solidariedade. Esta é o sentimento que nos faz humanos. Urge conscientizar para educar as pessoas. Quanto custaria ao Metrô, através de seus representantes, anunciar em voz alta as informações mostradas no monitor? Eis um básico exemplo de barreira atitudinal, as quais obstruem, em muito, a participação plena e efetiva da pessoa com deficiência na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.

Sem dúvida, mais fácil é mudar tudo quanto esteja no lado de fora. Difícil mesmo, como demonstrado no exemplo supra, é modificar tudo quanto esteja do lado de dentro, na alma das pessoas. A educação LIBERTA. Sem ela inexistirá JUSTIÇA!

Expressivo trazer o pensamento da filósofa americana Angela Davis: "Numa sociedade racista não basta não ser racista, é preciso ser antirracista." E, de mãos dadas com Davis, venho parafraseá-la para dizer: Numa sociedade capacitista, não basta não ser capacitista, é preciso ser anticapacitista. Alcançar novas atitudes inclusivas com a moeda da solidariedade somente será possível através do uso da ferramenta da acessibilidade atitudinal.

Se Freud tomasse conhecimento do sofrimento da psique das pessoas com deficiência seria plausível indagar: O que querem as pessoas com deficiência, afinal? Certamente, em coro, estas responderiam: Querem ter a oportunidade de experimentar diariamente e em tempo real, a condição humana experienciada pelas suas iguais sem deficiência porque as dignidades das pessoas humanas valem o mesmo.

Deixo, finalizando, as reflexões: Agora que você sabe que o capacitismo é estrutural, de que maneira poderia começar a sua desconstrução? quais ações anticapacitistas poderiam ser praticadas? O que você sabe sobre deficiência? e sobre acessibilidades? em especial a atitudinal? É possível amar o outro com deficiência na sua alteridade? na sua diferença? É possível a sociedade reconhecer a existência desse outro sem colocá-lo na indiferença do espaço democrático? sem decretar a sua morte social tão-só pela sua deficiência? sem ver apenas a si mesmo? sem medo desse outro? sem se sentir ameaçado? O que significa ser normal? viver em um corpo que foge ao padrão idealizado por uma sociedade estruturalmente capacitista?

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