O distritão proposto pelo Congresso Nacional é inconstitucional mesmo que seja aprovado por meio de emenda constitucional. O parecer jurídico é do ministro da Justiça, Torquato Jardim, que já ocupou a vaga de ministro do Tribunal Superior Eleitoral reservada à classe dos advogados.
“A Constituição estabelece que o sistema de representação no Brasil é proporcional. Isso serve para que as minorias tenham voz, para o processo político acolher as minorias, o que é sinal de tolerância e paz social”, argumentou.
A declaração foi dada em uma mesa no Congresso Nacional do Instituto dos Advogados do Brasil que também contou com a participação dos ex-ministros do TSE Luciano Lóssio e Marcelo Ribeiro e do ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-senador Bernardo Cabral. O debate foi mediada pelo presidente da Caixa de Assistência dos Advogados da Paraíba, Carlos Fábio Ismael.
Jardim também defendeu a volta do financiamento de campanha por empresas, assunto que deveria ser mais debatido pela sociedade: “Quem é que mais poupa no Brasil, quem mais investe, quem paga imposto. Por que, então, as empresas não podem doar? O que é mais eficaz, controlar ou proibir? Proibir é convidar para a informalidade. Não sei se foi um momento feliz do Supremo quando julgou essas doações de pessoas jurídicas inconstitucionais”.
O ministro afirmou que não se pode ter medo de encarar esse assunto. A democracia, disse, é um sistema caro, mas não há outro melhor. Sobre a crise política, ele alertou sobre os riscos que o discurso de ódio pode representar. “Condenar toda classe política é suicídio, é condenar a democracia”, comentou.
Torquato Jardim fez ainda duras críticas à proposta de criação de um fundo eleitoral. “Eu tremo quando ouço falar no fundão. Tenho orçamento curtíssimo no ministério. Falta dinheiro para tudo”, disse. A proibição do financiamento privado, disse, favorece ao crime organizado. “Tem caixa livre para comprar voto” afirmou.
O alto número de partidos no Brasil não assusta o ministro nem é um problema para ele. Na redemocratização da Espanha, disse, o país tinha 200 partidos. Para Jardim, proibir a coligação proporcional não resolverá os problemas. Caso essa regra tivesse em vigência no último pleito, apontou, mudaria apenas 8% da composição da Câmara dos Deputados.
Ele defendeu o parlamentarismo, mas afirmou que é um sistema que tem de ser pensado sem pressa, pois é muito complexo. “Os ingleses levaram 180 anos para implementar o parlamentarismo. A França está fazendo isso desde 1958. Precisa ser construído com cuidado, com reflexão, até porque pressupõe compromisso de estabilidade e sinceridade”, comentou.
Marcelo Ribeiro, ex-ministro do TSE, questionou o local adequado para se mudar as leis eleitorais. Segundo ele, diante da inação do Congresso, a Justiça, de maneira equivocada, tomou iniciativa e fez a reforma política.
O ativismo judicial, disse, é resultado de um declínio de lideranças políticas no Brasil,. “Décadas atrás, uma série de grandes quadros políticos provocavam o debate, e o Judiciário se continha”, lembrou. Com a degradação da maioria dos atores políticos, o Supremo Tribunal Federal avançou e aumentou seu poder, opinou. O segundo fator preponderante para o ativismo judicial ter ganhado força nos últimos anos, acredita, é que a Constituição Federal de 1988 ampliou os poderes do Supremo Tribunal Federal.
Um exemplo de intromissão do Judiciário nas competências do Legislativo, segundo ele, foi a questão da fidelidade partidária, quando o TSE definiu as regras que punem com perda de mandato os candidatos que trocam de partido depois de eleitos. “Eu estava no TSE na época e fui o único voto contrário à possibilidade de o tribunal legislar sobre essa questão”, frisou.
Ele também fez uma autocrítica sobre resoluções editadas pelo TSE em relação à fidelidade partidária. “Não posso me eximir. Eu estava lá e fui a favor”, disse, em relação à exceção aberta que permitiu aos agentes públicos a troca de partido quando é criada uma nova sigla. “Num país que tem 36 legendas, o TSE não poderia colocar essa janela para escapar da fidelidade”, criticou.
Na visão do ex-ministro, essa é uma das consequências negativas do ativismo judicial. “Além de não ser da sua alçada, o Judiciário não tem competência técnica para legislar, por isso acaba dando errado. O Congresso Nacional tem comissões, assessores técnicos qualificados, uma consultoria jurídica de alto nível, faz audiências públicas para aprofundar os temas. Quando a coisa é séria, lei leva dois anos para ser feita”, analisou.
Outro exemplo usado por ele é a proibição de outdoors nas campanhas políticas. O TSE proibiu esse tipo de propaganda, e passou a permitir apenas placas. Mas o tribunal teve de definir qual tamanho da estrutura da propagando eleitoral é permitida. Na época, ele divergiu do voto do relator, o ministro Ayres Britto, e acabou saindo vencedor. “Ele sugeriu o limite de 2 metros. Eu achei pequeno e sugeri 4 metros e ele concordou. Legislamos de novo. E aí depois o Congresso regulamentou essa questão e manteve os 4 metros. Mas por que esse tamanho exato? Começaram a dizer que tinha um estudo, que essa medida permitia uma visualização correta. Que nada. Não teve estudo nenhum. Eu falei aqui, e ele aceitou. Daqui a pouco vai ter a teoria dos 4 metros. Não é da competência nem técnica do tribunal fazer esse tipo de intervenção”, criticou.
Mas ele também criticou o Legislativo. Quem estuda o Direito Eleitoral, disse, sabe que a Lei da Ficha Limpa, festejada pela maioria, tem vários exageros.
Outro tema em que o STF invadiu as competências parlamentares, disse, foi em relação à proibição do financiamento privado de campanha. “Não consegui encontrar até hoje, na Constituição, onde está prevista a vedação do financiamento de pessoas jurídicas.” Quando se passa a julgar com base em princípios, a Justiça escolhe o que quiser: “Princípio da moralidade depende do ponto de vista. Democracia, moralidade, isso a gente vê até em discurso nazista. É a maior tolice acreditar que interpretação do princípio sozinho pode levar a uma normatização verdadeira. É muito subjetivo, cada um pode dizer uma coisa”.
Bernardo Cabral, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, ex-deputado federal e ex-senador, foi parlamentar na época do regime militar e teve o mandato cassado. Ele fez duras críticas à classe política que predomina no atual cenário. Por isso, é cético em relação à Reforma Política em curso no Congresso Nacional. Segundo ele, o Brasil não irá superar a crise com uma reforma política caso os ingredientes dela não sejam verdadeiros. “Quem parte da premissa falsa, acaba chegando a conclusão também falsa. O que quero dizer com isso, é que, salvo honrosas exceções, os políticos brasileiros hoje estão muito mais voltados à ambição pessoal do que ao interesse da coletividade”.
Ele defendeu que o Brasil implante o modelo distrital misto e o recall, quando o agente é submetido à avaliação popular no meio do mandato, sob risco de perdê-lo. “Divide-se o estado em vários distritos e o mais votado daquele distrito é eleito, mas pode sofrer recall. Ele está mais ligado diretamente ao povo e o povo do distrito sabe se ele produziu ou não, se ele prestou contas ou não. E poderá perder o mandato”.
O que é preciso, disse a ex-ministra do TSE Luciana Lóssio, não é impor uma reforma política correndo contra o relógio, porque não pode-se acreditar que uma mudança estrutural como essa será discutida a toque de caixa. “O sistema proporcional não é ruim como muitos pregam. Temos que deixar esse complexo de achar que no Brasil nossas regras sempre são as piores, que o jardim do outro é sempre mais verde que o nosso. O sistema proporcional é bom, tanto que é o mais adotado no mundo inteiro”, defendeu.
Alguns ajustes, no entanto, se fazem necessários, disse. Para ela, o fim das coligações seria um passo importante. Luciana acredita que o fato de votar numa pessoa sem sabem quem vai ser eleito, como no caso do deputado federal Tiririca, que fez muitos votos e acabou proporcionando vagas para candidatos com baixa votação, é o que causa maior perplexidade na população. A cláusula de desempenho seria outro ponto que solucionaria boa parte dos problemas atuais, apontou. E criticou o "distritão": “É um sistema adotado em apenas quatro países do mundo. Eu não quero que o Brasil seja cobaia de um modelo pouco avaliado pelo direito comparado”. Se o modelo não tem simpatia mundo afora, não será no Brasil que irá resolver os problemas, avaliou.
Luciana Lóssio também fez uma defesa enfática da maior participação feminina na política, e citou dados que apontam que o Brasil é o país com o menor número de mulheres em mandatos públicos entre todas nações vizinhas. Nos países com maior índice de desenvolvimento humano, disse, a representação feminina é maior, pois têm a compreensão plena de que as mulheres são tão competentes quanto os homens.
Ela também demonstrou simpatia me relação ao sistema distrital misto, pois aproxima o político da população.
*Texto editado às 13h35 do dia 4 de setembro para correção de informações
Matheus Teixeira é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 3 de setembro de 2017, 10h57
Fonte: http://www.conjur.com.br/2017-set-03/ministro-justica-distritao-eleitoral-inconstitucional