Com o surgimento da pandemia da Covid-19, ações emergenciais foram necessárias para conter a propagação do contágio e a disseminação da doença. Uma das ações emergenciais propostas pelos governos foi a implantação do isolamento social, que teve como consequência imediata a brusca mudança no ambiente social e de trabalho.
Da noite para o dia, fomos obrigados a nos isolar e adotar o trabalho e o ensino à distância para não interromper as atividades. Tivemos que transformar um espaço em casa em escritório, sala de aula e compartilhar com filhos e marido. Dois meses se passaram e, após a euforia inicial, estamos diante de uma realidade que parece não ter fim.
A tecnologia, que veio para ajudar, parece estar sendo agora a grande vilã. Estamos vivendo algo sem precedentes: aulas escolares, reuniões, lives, cursos on-line, reuniões de amigos e familiares sendo feitas por videoconferências. E isso está nos deixando exaustos.
Não há como negar que as videoconferências vieram para ficar, assim como o teletrabalho que, antes da pandemia, ainda encontrava forte resistência para a sua implementação e agora parece que muitas empresas estão considerando adotar de modo permanente.
Contudo, é de extrema importância alertar que o teletrabalho não é para qualquer um e, para muitos, pode até mesmo ser um martírio.
Toda implementação de teletrabalho leva tempo, além de outros fatores que devem ser considerados, como, por exemplo, a aptidão da pessoa para a função de teletrabalhador.
A ausência de tempo hábil para se adaptar a essa nova forma de trabalhar, a falta de planejamento e a pressão da urgência na implementação está acarretando diversos distúrbios.
Muitos estão sentindo o baque do isolamento. A obrigação de estarmos confinados gera um estado de profunda distração e apatia. Inquietude e déficit de atenção fazem com que vaguemos de uma coisa para outra, porque não conseguimos nos concentrar. Esse estado de ausência de concentração, gerado pela apatia, faz com que, ao final de uma videoconferência, estejamos exaustos e não captemos metade do que foi dito. Uma recente pesquisa alerta que o uso de ferramentas para videoconferências aumenta o nível de estresse dos participantes. Gianpiero Petriglieri, professor do Insead (European Institute of Business Administration) e Marissa Shuffler, professora da Clemson University, descobriram que o corpo humano decifra formas completamente diferentes para reuniões presenciais e por videoconferência. Em outras palavras, uma videoconferência, quando há a ausência de comunicação não verbal, pode ser um fator de esgotamento.
E por quê?
Porque nessas videoconferências algumas chaves de comunicação se perdem, como por exemplo: o tom de voz, parte das expressões faciais, gestos físicos e a postura. E ao não serem tão evidentes esses sinais, em uma videoconferência, o participante se vê obrigado a prestar mais atenção, fazendo um esforço muito maior que em uma reunião presencial, causando uma enorme exaustão, principalmente se nessa reunião houver muitos participantes.
Para esses pesquisadores, a linguagem não verbal equivale a mais de dois terços daquilo que a pessoa quer comunicar, porque ela fornece a interpretação e o significado. Ou seja, quando ela está falando em uma reunião presencial, gesticula, pode caminhar, a expressão facial muda, o olhar, o corpo todo fala, causando uma sensação de descanso para o cérebro.
Segundo Petriglieri, “durante um diálogo, o cérebro não se concentra apenas nas palavras. Ele recolhe — como se fizesse, digamos, um ‘zoom’ — significados adicionais a partir de dezenas de sugestões não verbais, como olhares, movimentos do corpo e até a frequência respiratória. Essas manifestações ajudam a criar uma percepção holística do que está sendo transmitido e do que é esperado em resposta do ouvinte”.
Para Shuffler, em uma videoconferência, isso fica muito limitado, porque “há somente duas dimensões onde ficamos sentados e quietos. A ausência dessa terceira dimensão é que desencadearia, no final, um esforço psicológico excessivo”.
Além disso, para o psicólogo carioca, Alberto Filgueiras, do Instituto de Psicologia da UERJ, “a imagem da galeria onde todos os participantes da reunião aparecem desafia a visão central do cérebro, forçando-o a decodificar tantos indivíduos simultaneamente que nada é absorvido de maneira significativa, o que gera tensão — e stress”.
Os pesquisadores advertem que “quando uma das chaves da comunicação está ausente ou limitada — como geralmente acontece nas videoconferências — emissor e receptor se veem obrigados a prestar mais atenção e a fazer um esforço maior para se expressar e para entender corretamente um ao outro”. Imagine o quanto isso não pode ser devastador para as crianças em homeschooling.
Outro ponto interessante são as pausas. De acordo com Reinaldo Polito, mestre em Ciências da Comunicação e autor de diversos livros sobre oratória, as pausas são essenciais em uma apresentação, pois valorizam a informação, criam expectativas sobre o que será dito e, em seguida, demonstram domínio de quem está fazendo a apresentação. Mas em uma videoconferência, a pausa pode significar desconforto, gerando ansiedade em quem está ouvindo.
Em 2014, três pesquisadores alemães, Schoenenberg, Raak e Koeppe2, descobriram, por meio de um estudo, que os atrasos nos sistemas das videoconferências, os chamados “delays”, moldavam de forma negativa a visão da pessoa que estava apresentando. Mesmo os atrasos de 1,2 segundo fizeram as pessoas perceberem oreceptor ou ouvinte como menos amigável ou focado.
Outro dado que tem causado cansaço mental é o fato de que todas as vezes que estamos em uma videoconferência, seja no trabalho, ou com amigos ou familiares, nosso cérebro nos lembra que estamos privados de estar com aquela pessoa, em razão do isolamento, causando mais estresse e desconforto.
Não deixa de ser preocupante, pois, a notícia de que em poucos meses, aplicativos mais antigos como Skype, Hangouts, Instagram, e os novatos Houseparty e Zoom, transformaram-se em acessórios indispensáveis para o dia a dia. A plataforma Zoom, queridinha dos “liveaholics”, contabilizou a casa dos 300 milhões de usuários diários, quando antes da pandemia eram 10 milhões. Só no último mês de abril, o número de usuários aumentou em 50%.
É inegável que o mundo, em razão dessa pandemia, diminuiu, encurtou distâncias, a tecnologia permitiu que parentes e amigos continuassem mantendo contato, viabilizou a criação das “lives diferentes” e possibilitou, ainda, a realização do trabalho à distância. Porém, tudo isso terá um preço alto a ser cobrado: ocansaço e a fadiga mental, cujo sintoma recebeu o nome de “Zoom fatigue”.
O termo, que num primeiro momento faz menção a um dos mais populares aplicativos de videoconferência, revela uma fadiga, como o próprio nome indica, a que o cérebro se vê submetido, após uma sucessão de sessões diante da tela.
O fenômeno se dá, em especial, no caso do trabalho remoto. Com o contato presencial anulado, a necessidade de chamadas para novas interações cresce, fazendo com que, ao fim do expediente, a pessoa sinta como se houvesse passado o dia em uma longa e interminável reunião.
Para o nosso bem, existem alguns mecanismos que, se aplicados de forma disciplinar, podem reduzir esse cansaço.
Por exemplo, uma boa regra antes de agendar uma reunião é considerar se vale a pena o tempo que você vai investir: um e-mail rápido, uma mensagem por chat ou um telefonema de 30 segundos podem ser suficientes para comunicar sua mensagem e não é tão exigente como uma reunião por vídeo.
Outra sugestão é deixar o bate papo informal com os amigos e familiares em outro local que o usado para trabalhar. Isso criará um clima mais relaxado e evitará a tensão, geralmente causada por uma videoconferência de trabalho.
*Artigo publicado no Estadão
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