Para ilustrar o cenário, a advogada usou como exemplo um caso fictício em que um passageiro perdeu um compromisso por conta do cancelamento de um voo. “Ele pode bater na porta do Judiciário, mas nem sempre a decisão tomada pelo juiz vai satisfazê-lo”, ponderou Tocantins. Na visão dela, a solução do problema via mediação permite que o dano seja reparado de forma mais satisfatória e que a porta para o uso futuro de serviços da companhia se mantenha aberta: “A empresa ganha mantendo uma boa reputação e não tendo um custo excessivo causado pelo litígio”.
Da esq. para a dir., Virginia d´Andrea Vera, Carla Alcofra Tocantins, Beth Baraúna e Marcelo Junqueira Calixto
Especialista em Direito Aeronáutico, Virginia d´Andrea Vera ressaltou que os advogados são fundamentais para o uso desse método na resolução de conflitos relacionados ao serviço de transporte aéreo. “Eles estariam nesse cenário oferecendo aos clientes suporte legal para que não seja decidido nada fora daquilo que é possível de ser cumprido”, disse. Ela apontou que o contrato de transporte aéreo não prevê a mediação, mas que o recurso poderia ser usado como uma porta para a diminuição dos litígios nessa área.
Para que isso funcione, na opinião do professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Marcelo Junqueira Calixto, é preciso uma mudança no comportamento dos próprios advogados. Ele pontuou que o Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma nova perspectiva quanto à litigiosidade: “A grande mudança é a ideia de buscar a conciliação e a solução pacífica. Mas, infelizmente, ainda há resistência dos advogados quanto a isso. O grande problema é essa cultura de não querer audiência de conciliação por achar que não vai servir para nada, isso precisa mudar”.
Adriana Brasil Guimarães e José Gabriel Assis de Almeida
Na abertura do evento, a 2ª vice-presidente do IAB, Adriana Brasil Guimarães, também defendeu que a mediação é um caminho possível quando se trata de processos desse tipo. “Diante dos litígios que são ingressados no Poder Judiciário, faz sentido questionar o quanto poderíamos minimizar com a realização de audiências de mediação e até com mediações feitas extrajudicialmente”, afirmou a advogada, que preside a Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem do IAB.
Membro da mesma comissão, José Gabriel Assis de Almeida ressaltou que esses conflitos judiciais representam um custo alto para as empresas do ramo. “Não podemos cair na falácia de considerar que esse custo é apenas das companhias aéreas porque, na prática, ele acaba sendo repassado para os consumidores – seja na forma de preço das passagens ou na menor qualidade do serviço. Isso também cria um entrave para outras companhias entrarem no mercado nacional”, ponderou.
O evento também contou com palestras da chefe do Gabinete da Diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Ana Benevides, do especialista em Direito Aeronáutico João Marcelo Sant´Anna e do piloto de linha aérea e presidente da Comissão de Direito Aeronáutico, Espacial e Aeroportuário da OAB/RJ, Antônio José e Silva. A mediação foi conduzida pela consócia Beth Baraúna e por José Gabriel Assis de Almeida.
Da esq. para a dir., João Marcelo Sant'Anna, Ana Benevides, João Gabriel Assis de Almeida e Antônio José e Silva
Custo das passagens – Oferecendo um panorama do setor aéreo brasileiro, Ana Benevides afirmou que o perfil do cliente se expandiu: “Há 20 anos, apenas 1,8% dos bilhetes custavam menos de R$ 300, em valores corrigidos. Hoje, 28% dos trechos custam menos de R$ 300”. Esse novo cenário, segundo ela, acende o debate sobre a democratização do acesso ao serviço, que, apesar de mais acessível, continua sendo caro para grande parte da população. “Temos uma desigualdade brutal no Brasil e garantir o acesso de consumidores a esse transporte é importante para a Anac porque nós, como reguladores do setor, estamos olhando para o interesse público”, afirmou Benevides.
Além do custo expressivo, o cenário desse setor também envolve um recorde de litigiosidade. “Dados lançados pela Embraer dizem que 98,5% das ações civis no mundo envolvendo transporte aéreo estão concentradas no Brasil”, disse João Marcelo Sant´Anna. O advogado apontou que, até julho deste ano, a Azul e o grupo Latam acumulavam mais de 70 mil casos em curso, cada uma. Já a Gol respondia até então a 50 mil processos.
Como o alto número de ações tem relação com o preço do serviço, Sant’Anna sugeriu que sejam fixados patamares mais razoáveis para indenizações de processos, o que também diminuiria o tempo e o número das causas. “Parece atraente ajuizar uma ação se o voo atrasar um pouco mais de quatro horas porque a indenização pode custear toda a viagem”, enfatizou.
Trazendo o ponto de vista da aviação, Antonio José e Silva pontuou que o cenário brasileiro tem mais abertura para processos. “No Direito do Consumidor do Brasil, o mau tempo é risco do negócio. Pelo mundo afora, é um caso fortuito ou de força maior”, disse ele, usando como exemplo o atraso em voos. De acordo com o piloto, é preciso conscientizar o Judiciário e a sociedade quanto ao tema. “Outra necessidade é trazer para a diretoria da Anac uma pessoa do outro lado. Temos advogados, economistas e um militar, mas precisamos do contraditor para trazer o ponto de vista da parte operacional”, defendeu.