O livro foi desenvolvido a partir da pesquisa de pós-doutorado em Direito de Castellar, que estabeleceu como recorte o tronco tupi-guarani que ocupava o litoral e parte dos guaranis posicionados no sudoeste brasileiro no século XVI. Como base, ele se valeu de estudos publicados por cronistas, historiadores e líderes católicos da época. “Os povos originários não escreviam e o que se sabe sobre eles é o que falaram deles”, advertiu o autor.
Segundo Castellar, a pesquisa demonstrou que a justiça indígena era de “responsabilidade" dos deuses: “Eles acreditavam que depois da morte iriam para um Éden, conviver com seus ancestrais em alegria. E, se eles tivessem uma conduta que se afastasse dos costumes, teriam como consequência a privação desse espaço. Portanto, não havia medo da morte, mas sim de não adentrar nesse espaço”. A educação sobre o certo e o errado, explicou o advogado, se dava pela tradição oral e pela disseminação de histórias que envolviam castigos impostos por deuses e pela natureza.
Da esq. para a dir., Ernesto Belo, João Carlos Castellar, Carlos Eduardo Machado, Marcia Dinis e Izabel Nuñes
A abertura do evento foi realizada pelo 1º presidente do IAB, Carlos Eduardo Machado, que elogiou o sucesso do projeto Saindo do Prelo, pelo qual grandes obras jurídicas são lançadas. “Sabemos pouca coisa sobre esse sistema punitivo, por isso é tão importante que o Castellar tenha se debruçado sobre sua pesquisa e nos revelado mais sobre o mundo indígena. Precisamos pensar sobre os povos originários, que seguem resistindo apesar das consequências da colonização, feita por pessoas que não podem mais ser referenciadas como aquelas que ‘descobriram’ nosso País”, disse ele.
Diretora de Biblioteca do IAB, Marcia Dinis destacou que para compreender o Direito também é preciso conhecer a história. Especialista em Criminologia, ela elogiou as práticas punitivas indígenas, marcadas pela ausência de torturas e penas de privação de liberdade. “Lendo o estudo, ficamos impressionados como os indígenas estavam atualizados sobre um sistema que pode funcionar com menos punições, gerando uma estrutura mais avançada, efetiva e humanizada. Hoje, temos punição e violência e como consequência ainda mais criminalidade”, comparou a advogada.
O evento também teve a participação da doutora em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF) Izabel Nuñez e do mestre em Etnologia, Sociologia Comparativa e Pré-história na Universidade de Paris Ernesto Belo.
Falando do ponto de vista antropológico, Izabel Nuñez defendeu que, para analisar a pesquisa do livro, é preciso abandonar o universalismo e adotar o relativismo. Dessa forma, segundo ela, será possível compreender os impactos da cultura no comportamento dos indivíduos: “A grande contribuição desse trabalho é nos mostrar o quanto o nosso Direito e o Estado nos impedem de olhar para outras perspectivas, outras saídas e outras formas de organização política”.
Ernesto Belo fez uma aproximação entre a realidade dos tupis-guaranis do século XVI e das 25 etnias indígenas que vivem no entorno do Rio Negro, no Amazonas, atualmente. Ele explicou que, nos dois casos, a mitologia ocupa o espaço deixado pelo Direito. “As narrativas míticas trazem embutidas em si todo um sistema de normas, comportamentos e costumes que são transmitidos oralmente. Dentro delas, percebemos as regras sociais que, ao meu ver, se aproximam do que seria o sistema jurídico indígena propriamente dito”, afirmou o etnólogo.