O debate sobre a publicação de biografias sem autorização do biografado, ou de quem o represente, abrange valores fundamentais dos indivíduos e da sociedade brasileira. A questão está em discussão na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) e que tem como relatora a consócia deste IAB, Ministra Cármen Lúcia. Por meio da ação, a entidade requer a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 do Código Civil (Lei 10.406/2002). A Anel sustenta que os dispositivos seriam incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação prevista na Constituição Federal e pede que o STF dê interpretação conforme a ordem constitucional.
Sem dúvida que é possível apresentar-se colisão de interesses constitucionais entre a liberdade de expressão e de manifestação do pensamento em face do direito à imagem, à intimidade, à vida privada e à honra. Se, de um lado, a liberdade de expressão pode destruir reputações; de outro, é inconcebível admitir censura, sob qualquer pretexto.
É indiscutível que impedir que biografias não-autorizadas sejam publicadas nada mais é do que uma modalidade de censura. Já se disse que a autobiografia é sempre uma escandalosa mentira, pois o autor da história de sua própria vida, ou o biografado que censura o biógrafo, produzirão, evidentemente, relatos de fatos e atos bons de sua própria vida, escondendo todas as ocorrências negativas, servindo tão apenas para "glorificar o biografado".
Neste mesmo sentido, manifestou-se a Procuradoria Geral da República, ao sustentar que a liberdade de expressão e o direito à informação sobrepõem-se ao direito à intimidade de personalidades públicas.
Evidencia-se que o abuso no exercício da liberdade de informação expõe o biógrafo às severas sanções jurídicas. O inciso V do artigo 5º. da Constituição Federal assegura não apenas o direito de resposta, proporcional ao agravo, mas, em especial, "indenização por dano material, moral ou à imagem", previsão reproduzida no inciso X do mesmo artigo que estabelece reparação por dano material e moral por violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas.
A pessoa pública tem privacidade restrita, posto que sua história passa a confundir-se com a coletiva, na medida da sua inserção em eventos de interesse público. Exigir-se prévia autorização, tal como previsto no artigo 20 do vigente Código Civil, importa consagrar uma verdadeira censura privada à liberdade de expressão dos autores, historiadores e artistas em geral, ao direito à informação de toda a população.
Rio de Janeiro, 1 de dezembro de 2013
Fernando Fragoso
Presidente