Agosto vem aí. E com ele os tão esperáveis quanto necessários artigos de imprensa e manifestações em redes sociais sobre a importância da advocacia na sociedade. É que a onze de agosto se comemora o dia da advocacia – a data (estou querendo evitar a palavra “efeméride”, que sempre achei terrivelmente cafona) remete ao distante ano de 1827, quando eram criados por decreto de dom Pedro I, os cursos de direito de Olinda e São Paulo, os primeiros naquele Brasil que há pouco vinha de dar o seu brado de independência.
Fugindo do previsível roteiro, quero render as minhas homenagens à advocacia ainda este mês, rememorando um trágico e pouco conhecido episódio ocorrido na vizinha Argentina nos primeiros dias de julho do ano de 1977, onde dezesseis meses antes se havia instalado a cruenta ditadura militar que se sucedeu ao golpe desfechado contra o governo de Maria Estela Martínez de Perón, a Isabelita.
A bela cidade de Mar del Plata, chamada, não sem boa razão, de a “pérola do atlântico” serviu de palco para a violenta investida do regime contra advogados trabalhistas e sindicais cujos crimes – a defesa dos direitos das trabalhadoras e trabalhadores, da liberdade sindical e do direito de associação, a ditadura não poderia suportar.
Numa ação típica de terrorismo de estado, foram sequestradas catorze pessoas naqueles dias, entre as quais os advogados Norberto Centeno – autor da legislação trabalhista vigente sob o anterior regime democrático e que seria modificada tão logo instaurada a ordem autoritária, Jorge Candeloro, Salvador Manuel Arestín e Raúl Hugo Alaiz, Camilo Ricci e Carlos Bozzi. Apenas cinco sobreviveram. O nome dado à operação criminosa pelos seus próprios executores – em espanhol “La noche de las corbatas”, é autoexplicativo.
Não é de hoje que a advocacia atrai a ira dos senhores do poder. Para que se fique em apenas um exemplo, talvez o mais conhecido, conta-se que durante o processo revolucionário francês, ali pelos finais do século XIX, no período do ‘Terror”, sua fase mais aguda, em que a perseguição política contra os decaídos do ancien régime grassava solta e sem peias, tornadas rotina as execuções na guilhotina, o advogado Nicolas Berryer, ele próprio vítima da sanha dos jacobinos, usava iniciar seus discursos de defesa com a frase que viria a se tornar célebre, a síntese perfeita do que era o exercício do direito de defesa naqueles tempos – “Trago à convenção a minha palavra e a minha cabeça, podereis dispor da segunda depois de ouvir a primeira”. A violenta ditadura argentina, vê-se, passou longe de ser uma exceção à regra.
Ia esquecendo de dizer. Em 2014 foi sancionada na Argentina a Lei 27.115, instituindo o dia 7 de julho com o Dia do Advogado Trabalhista. Relembrar fatos dessa natureza me parece ser um bom modo de prestar reverência a todos os que fazem da advocacia muito mais do que um meio digno de se ganhar a vida, mas um apostolado em defesa dos direitos e garantias fundamentais. Hoje e sempre, um ato de subversão.