Na obra, o tema da desigualdade de gênero é enfrentado em três abordagens temáticas dentro do universo jurídico: a criminológica, a do Direito Penal e da proteção da vítima no sistema de justiça e, por fim, a trabalhista, com ênfase no acesso às carreiras jurídicas e atividades empresariais. Neste último tópico, segundo Artur Gueiros, é possível observar grande resistência na mudança de comportamento social a partir da inclusão de mulheres em posições de poder: “Mesmo que elas alcancem postos elevados em empresas, há uma segregação masculina. O homem não confia na mulher para fazer certas coisas, ele, geralmente, só confia em outro homem”.
Da esq. para a dir., Fernanda Fragoso, Ana Luiza de Sá, Marcia Dinis, Carlos Eduardo Machado, Artur Gueiros, Isabelle Gibson e Patrícia Pimentel
Na abertura do evento, o 1º vice-presidente do IAB, Carlos Eduardo Machado, destacou que o debate sobre o tema é fundamental para o avanço social. “Nós, operadores do Direito, devemos sempre procurar dar a nossa contribuição para a realização da Justiça”, disse o advogado. A diretora de Biblioteca do Instituto, Marcia Dinis, afirmou que o campo jurídico precisa promover mais discussões que tenham como tema a proteção das vítimas no sistema de justiça criminal e a igualdade de gênero no mercado de trabalho: “O livro preenche uma lacuna nesse campo, mas também oferece insights valiosos para avaliarmos e avançarmos na compreensão e na resolução dessas questões tão urgentes em nossa sociedade”.
O evento também teve a participação de autores de artigos do livro: a membro da Comissão de Direito Penal do IAB Ana Luiza de Sá; a defensora pública do Estado do Rio de Janeiro Ana Lúcia Tavares Ferreira; o professor titular de Direito Penal da Uerj Carlos Eduardo Japiassú; a doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa Fernanda Fragoso; os especialistas pela Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público Humberto Tostes e Vanessa Borges Santos; a advogada criminalista Isabelle Gibson; a promotora de Justiça do MPRJ Patricia Pimentel; a professora da Universidade de Buenos Aires Sofía Curatolo; e a professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Fernanda Ravazzano.
Ana Lúcia Ferreira
Ao abordar a necessidade de políticas públicas voltadas a mulheres encarceradas, Ana Lúcia Ferreira apontou que a legislação sobre o tema não põe em pauta as necessidades femininas nesse cenário. “As mulheres presas não vivem o cárcere da mesma maneira que os homens e ter as mesmas normas de execução penal para ambos não faz sentido. A mulher, por exemplo, não recebe visitas e tem maior dificuldade em relação à reinserção social”, explicou a defensora pública. Carlos Eduardo Japiassú, que foi coautor do artigo, afirmou que não basta mais apenas reconhecer o problema, é preciso avançar no debate sobre o tema. “Precisamos refletir como e onde essas mudanças podem acontecer e nosso texto buscou esse caminho”, contou.
Carlos Eduardo Japiassú
Parte da história da primeira mulher a exercer a advocacia no Brasil, Myrthes Campos, foi recuperada no artigo de Ana Luiza de Sá, que abordou as dificuldades que profissionais do Direito enfrentam em seu cotidiano. A advogada recuperou um artigo de jornal escrito em 1899, por ocasião do primeiro júri com participação de uma advogada no País, no qual Campos conseguiu a absolvição de seu cliente. “À época, o jornalista Arthur Azevedo destacou que não se opunha à possibilidade de mulheres exercerem profissões monopolizadas por homens, mas ele confessa que pessoalmente não lhe agradava vê-las em certos empregos. Ele ainda diz que não se apaixonaria por nenhuma senhora que advogasse no cível ou no crime. Ainda bem que o mundo mudou”, brincou.
Fernanda Fragoso trouxe esperança ao debate e destacou que medidas de ESG, sigla que, em português, se refere ao conceito de Governança ambiental, social e corporativa, contribuem para a equidade de gênero no mercado de trabalho. Trazendo como análise o desempenho de mulheres no cargo de compliance officer, uma posição responsável pelo gerenciamento, ela afirmou que a liderança feminina traz maior inclusão de minorias: “É possível superar o teto de vidro. Pesquisas mostram que o enfrentamento dessa questão através da adoção da agenda ESG está sendo muito eficaz na área de compliance”.
Sofía Curatolo
Em seu artigo, Sofía Curatolo abordou a vitimização secundária de mulheres que sofreram violência sexual. De acordo com a professora, durante o processo penal, elas acabam sendo alvos de novas violências cometidas por instituições de Justiça. “A vitimização secundária é justamente definida como todas as agressões que a vítima recebe, tanto na fase da investigação, com tratamentos inadequados, quanto durante o processo criminal, com falta de informação e ausência da reparação do dano”, explicou Curatolo.
No mesmo eixo temático, Isabelle Gibson também apontou que, muitas vezes, o sistema de justiça criminal reitera a violência de gênero de forma institucional durante a fase processual. “Diversas análises feministas já demonstraram que nos três âmbitos do Direito, ou seja, na criação das leis, na construção do pensamento doutrinário e na aplicação pelo sistema de justiça, existem elementos reprodutores do sexismo em oposição a uma ideia de concretização da igualdade”, afirmou a criminalista.
Ao defender a tese de que o Direito Penal deve ser usado como forma de garantia dos direitos humanos das vítimas, Patrícia Pimentel ressaltou a necessidade de se garantir a reparação ao dano na esfera criminal: “A Resolução 40/34, da Organização das Nações Unidas (ONU), fala de indenização do Estado e nós temos no Brasil a Lei 14.717/2013, que prevê uma indenização para os órfãos dos feminicídios. Devemos ter fundos voltados a isso e não apenas depender dos recursos dos condenados. E precisamos pensar não apenas na ressocialização do acusado, mas também na ressocialização da vítima”.
Fernanda Ravazzano
O estudo do caso de Pauline Nyiramasuhuko, uma ex-ministra de Ruanda que foi sentenciada à prisão perpétua por participação no genocídio e no estupro de mulheres da etnia tutsi, foi o tema do artigo produzido por Fernanda Ravazzano. Ela apontou que o caso demonstra como o gênero pode ser usado para perpetuar castigos maiores a mulheres: “A defesa de Pauline alegou que, por ser mulher, ela seria incapaz de praticar esse ato de violência. Por outro lado, os juízes pediram uma pena maior justamente por ela ser mãe, avó e ministra. Nesse critério, entendeu-se que ela merecia uma pena maior por não exercer o papel esperado das mulheres na sociedade”.
Vanessa Borges Santos
Vanessa Borges Santos escreveu, ao lado do advogado Humberto Tostes, sobre a segregação de gênero dentro da criminalidade econômica. Ela afirmou que dificuldades como a ascensão feminina em posições de poder contribuem para a menor presença feminina em crimes empresariais. “No nosso texto, abordamos o fenômeno do ‘chão pegajoso’, que acontece quando uma mulher supera uma barreira hierárquica no seu trabalho, mas ainda assim tem uma deficiência de operabilidade social com relação aos seus outros companheiros que são homens. Isso acaba influenciando bastante no enquadramento social da mulher nos crimes de colarinho branco”, disse a advogada.
Em vídeo exibido no plenário do IAB, a vice-presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas, Alice Bianchini, destacou que seu texto apontou quatro eixos de análise no âmbito da desigualdade de gênero: saúde, educação, trabalho e política. Segundo ela, mulheres e homens estão em igualdade no acesso, ou na falta dele, nos dois primeiros tópicos, já que há autonomia individual na busca por ambos. “Por outro lado, quando vemos a participação da mulher na política e no mercado de trabalho, vemos mais desigualdade. E justamente nesses âmbitos a mulher depende sempre de um terceiro, alguém que a contrate e alguém que vote nela”, explicou Bianchini.