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Terça, 26 Março 2024 02:02

IAB lança livro que reúne coautoras de diversos segmentos da sociedade para pensar o Direito sob o olhar feminino

Da esq. para a dir., Silvana Batini, Vanele Falcão, Mônica di Piero, Kátia Junqueira, Marcia Dinis, Rita Cortez, Cristiane Brito Chaves, Ana Beatriz Rutowitsch Bicalho e Danielle Esquerdo Da esq. para a dir., Silvana Batini, Vanele Falcão, Mônica di Piero, Kátia Junqueira, Marcia Dinis, Rita Cortez, Cristiane Brito Chaves, Ana Beatriz Rutowitsch Bicalho e Danielle Esquerdo

Advogadas, desembargadoras, representantes associativas e outras profissionais do Direito ocuparam o plenário do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), que teve sua mesa de trabalhos toda preenchida pela presença feminina, para lançar o livro Delineando o Direito – a visão jurídica sob o olhar das mulheres. Durante o evento, que aconteceu nesta segunda-feira (25/3), as coautoras da obra apresentaram temas do Direito debatidos a partir da perspectiva de gênero. A organizadora da publicação, Kátia Junqueira, destacou que o livro é um exemplo de diversidade e modernidade na literatura da área: “Temos coautoras brancas, negras, trans, heterossexuais ou não, e uma indígena da nação Kanamari. Em termos de modernidade, temos uma capa produzida por inteligência artificial. Sobretudo, nossa mensagem é que mulheres são múltiplas e diversas”. 

Junqueira, que é desembargadora eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio (TRE-RJ), sublinhou ainda que o livro conta com a colaboração de mais de 30 mulheres de expressão no mundo jurídico. A organizadora também participou da produção da obra e escreveu o artigo Paridade de gênero na política: evolução civilizatória e o caminho da plena democracia. “A subrepresentatividade feminina no sistema eleitoral é um grande problema. Muito embora tenhamos instrumentos legais hoje para buscar uma maior participação feminina, ainda existem fraudes da cota, candidaturas laranjas e outros mecanismos que visam a mitigar a presença feminina na política”, disse a desembargadora. 

Ana Amélia Menna Barreto

O evento foi aberto pela 3ª vice-presidente do IAB, Ana Amélia Menna Barreto, que também colaborou com o livro. Ela escreveu o artigo Adequação da justiça eleitoral à Lei Geral de Proteção de Dados. No encontro, a advogada afirmou que é um prazer para a Casa de Montezuma receber e lançar uma obra que acolhe o olhar feminino sobre o Direito. 

A diretora de Biblioteca do Instituto, Marcia Dinis, destacou que o livro comprova a excelência da produção jurídica feminina: “Essa obra é também um lembrete eloquente de que ainda há muito a ser feito para garantir a igualdade das oportunidades e, mais uma vez, mostramos que somos capazes sim de alcançar essa igualdade e construir um mundo equilibrado e justo”. A advogada contribuiu para a obra com o artigo O Direito da cannabis no Brasil: medicina, guerra às drogas e a manutenção do poder na sociedade capitalista. Ela explicou que o capítulo aborda como o combate ao tráfico de entorpecentes revela, sobretudo, a existência de um sistema punitivista que deseja encarcerar pessoas pretas e pobres.

O lançamento também contou com a participação da ex-presidente do IAB e presidente da Comissão dos Direitos da Mulher, Rita Cortez; da presidente da Comissão de Gênero e Violências do Instituto Brasileiro de Direito de Família do Rio (IBDFAM/RJ), Ana Beatriz Rutowitsch Bicalho; da diretora do Instituto de Pesquisa e Estudos Jurídicos Avançados (Ipeja), Cristiane Brito Chaves; da desembargadora do TJRJ Mônica di Piero; da vice-presidente da Comissão Especial de Amparo e Defesa dos Povos Indígenas no CFOAB, Inory Kanamari; da servidora do TJRJ Danielle Moreira de Oliveira Esquerdo; da major da SEPM Jennyfer Albuquerque Oliveira; da presidente da Caixa de Assistência da Advocacia do Rio de Janeiro (Caarj), Marisa Gaudio; da procuradora regional eleitoral do RJ, Neide Cardoso de Oliveira; da conselheira da OAB/RJ Raquel Pereira de Castro Araujo; da procuradora regional da República Silvana Batini, e da tabeliã titular do 21º Ofício de Notas da Capital do Rio, Vanele Falcão. 

Rita Cortez afirmou que a minoria feminina nos espaços de poder demonstra que ainda é preciso reivindicar que mais mulheres estejam na academia e na política. “Pela literatura jurídica podemos dar visibilidade e fala às mulheres. Com isso, fortalecemos a pauta feminina e podemos exigir mais eficácia nas normas protetivas, que existem, mas nem sempre funcionam”, disse a presidente da Comissão dos Direitos da Mulher. Em parceria com sua filha Joana Cortez, a advogada contribuiu com o artigo Um novo olhar para o Direito Internacional frente aos direitos humanos: justiça transicional e a responsabilização dos estados em face das violações causadas por empresas transnacionais

A presença feminina no campo político também é tema de estudo de Cristiane Chaves, que produziu o capítulo A ascensão das mulheres na advocacia e no Poder Judiciário. Com uma perspectiva filosófica, ela defende que a evolução da humanidade só pode ser efetivada através da libertação da mulher. “Podemos ter um alento porque o cenário hoje é bem melhor do que já foi. A situação das magistradas caminha para uma paridade de gênero e, pensando na advocacia, já temos mais mulheres do que homens cursando as faculdades de Direito”, apontou a autora. 

O mesmo assunto foi explorado por Silvana Batini no artigo Mulheres na política: o que o Direito Eleitoral tem a ver com isso?. A procuradora abordou como mecanismos legais têm sido criados para reverter a subrepresentação feminina na política: “Desenvolvemos uma descrição sobre essas ferramentas e um reconhecimento de suas limitações. Temos que questionar o porquê estamos com tanta dificuldade de ocupar espaços na política. Talvez seja porque a política tem sido um ambiente hostil e violento para mulheres”. 

Neide Cardoso de Oliveira

Ao tratar da Violência política de gênero na disciplina da Lei 14.192/21, Neide Cardoso de Oliveira comentou que a legislação eleitoral avançou muito na implementação de políticas alternativas tendentes a corrigir a grave desigualdade do sistema representativo brasileiro. No artigo, ela descreveu alguns aspectos da norma que pretende prevenir a violência política de gênero. “Esse tipo de violência não é novidade, mas a criminalização dessa conduta é. A definição legal de violência política contra a mulher incluída no Código Eleitoral é bastante ampla e são variados os tipos de agressão que caracterizam essa conduta. Sendo assim, essa lei poderá contribuir para uma mudança de paradigma na participação feminina no processo eleitoral”, elogiou a procuradora. 

Marisa Gaudio

Já Marisa Gaudio abordou o crescimento vertical das profissionais do Direito no artigo Ascensão profissional das mulheres e a barreira invisível às advogadas. Ela ressaltou que ainda há uma grande invisibilidade feminina nos espaços de poder. “Eu comecei a escrever sobre isso porque fui a alguns escritórios de advocacia para ver como era essa questão na prática. Em um dos escritórios, o sócio me mostrou na porta o nome de várias mulheres, mas senti falta e perguntei sobre cargos de coordenação e de gerência. O que percebemos é que na base há muitas mulheres, mas quando você olha pra cima esse número vai diminuindo”, contou a presidente da Caarj. 

Raquel Castro

O protagonismo masculino no Direito também foi abordado por Raquel Castro, que produziu o capítulo Síndrome da impostora na advocacia. “Quando você é uma mulher que sofre da síndrome do impostor, pode ficar mais difícil identificar uma determinada situação como um caso em que a sociedade está restringindo o acesso das mulheres ou quando é você que está se auto sabotando em razão de alguma crença ligada ao seu merecimento, sua capacidade ou à sua identidade”, relatou a advogada. 

Na apresentação do artigo Breves anotações sobre a história do Direito Empresarial, Mônica di Piero defendeu que os profissionais do Direito devem conhecer o conceito de empresa em sua complexidade. “Hoje, a empresa significa a sua função social. Ela é a geração de riquezas, a contribuição de tributos e, sobretudo, o emprego, que move toda a economia da nossa sociedade. Como magistrada, percebo o toque jurisdicional que deve ser dado a esse tema quando tratamos, sobretudo, de empresa insolvente. Temos que ter como alvo a preservação da empresa, porque nela está a função social de um Estado”, explicou. 

Vanele Falcão, primeira e única mulher à frente do 21º Ofício de Notas da Capital do Rio, dedicou seu artigo à demonstração da evolução do trabalho nos cartórios. No capítulo Inovação e efetividade na realização da juridição notarial, ela defendeu que é possível fazer Direito fora do sistema tradicional de Justiça: “Os serviços extrajudiciais trazem efetividade na rotina do advogado. Os inventários, que levavam 30 anos, conseguimos fazer em 15 dias. Além disso, temos um avanço na Justiça digital, já que os cartórios também se modernizaram e conseguem entregar serviços de forma célere para garantir a satisfação do usuário”. 

Trazendo ao debate os direitos humanos, Ana Beatriz Bicalho colaborou com o artigo O acesso à Justiça pelas pessoas invisíveis. Segundo ela, a sociedade brasileira está habituada a um sistema hierarquizado, mas perpetua o discurso de que há uma neutralidade no Judiciário. “Nós temos que falar não apenas na desigualdade de gênero, mas também na interseccionalidade. O gênero é apenas o primeiro marcador social entre homens e mulheres. Temos que olhar questões como raça, nacionalidade e classe social, e, se falarmos em ‘neutralidade’, o Direito vai se afastar disso cada vez mais”, opinou a advogada. 

A importância de buscar justiça fora do Judiciário foi o tema do artigo O viés comparticipativo da jurisdição na atividade extrajudicial: a democracia presente na justiça coexistencial, produzido por Danielle Esquerdo. “Uma justiça, quando é dada por um juiz, é uma decisão que vai ser cumprida porque ela tem uma coercitividade, mas ela talvez não mude uma realidade social porque não muda pessoas – a sociedade não muda pelo conflito, ela muda pelo diálogo”, declarou a servidora do TJRJ. 

Jennyfer Oliveira

As desigualdades de oportunidades presentes na utopia da meritocracia foram postas em pauta no artigo Posso falar?, de Jennyfer Oliveira. “Não podemos falar em meritocracia se não partimos de pontos iguais, seja em âmbito social, acadêmico ou em outras formas de equidade que uma sociedade pode demonstrar dentro do Estado Democrático de Direito”, afirmou a policial. 

Inory Kanamari

Além dos artigos, o livro conta com um poema de Inory Kanamari. A indígena explicou que seus versos, assim como seu trabalho, têm o objetivo de contribuir para evitar o acelerado processo de desaparecimento dos povos originários: “O poema foi escrito como uma forma de chamar a atenção para nós, mulheres indígenas, quanto a essa invisibilidade, esse silenciamento e as violências física e psicológica que nós seguimos sofrendo”. 

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