A leitura das obras, na visão da diretora de Biblioteca do IAB, Marcia Dinis, é necessária e urgente para quem deseja entender o sofrimento do cárcere. “João Marcos, com um olhar humanista, dá voz a indivíduos segregados, silenciados e excluídos da nossa sociedade pelas grades da prisão, que merecem evidentemente ter suas angústias e suas histórias reveladas”, disse a diretora durante a abertura do evento. O lançamento contou com a participação do defensor público do Estado do Rio de Janeiro Rodrigo Roig, do membro do IBCCrim Gustavo Proença e dos membros da Comissão de Criminologia do Instituto Talvane de Moraes e Andrea Tourinho, com mediação da 3ª vice-presidente do mesmo grupo, Ana Arruti.
Aprisionadas lágrimas de homens, que transita entre o real e a ficção para dar voz às pessoas silenciadas pela cadeia, é uma referência ao livro de contos Insubmissas lágrimas de mulheres, de Conceição Evaristo. “São impressionantes as narrativas que ela criou a partir de histórias de mulheres negras, então eu pensei em escrever histórias de pessoas presas a partir de vivências que tive”, contou o autor. Marcia Dinis, que definiu o magistrado como uma mistura de Pollyanna com Dom Quixote, citando outras grandes obras da literatura mundial, afirmou que a leitura do livro transmite “sensibilidade e empatia em relação às mazelas daqueles que ocupam o cárcere”.
João Marcos Buch
As duas publicações lançadas não são as primeiras de João Marcos Buch, que revelou usar a literatura para traduzir sua experiência como magistrado atuante no sistema prisional. Prisão e justiça se origina de outros oito livros lançados pelo escritor. Cada um deles “emprestou” duas crônicas para a nova publicação, que problematiza o abismo que separa o encarceramento e a efetivação dos direitos fundamentais. “A classe média e a classe rica acham que têm que maltratar quem está preso. O que eu tento desenvolver é o trabalho de respeito”, disse o escritor. Durante a leitura de uma crônica sobre um detento intitulada com seu próprio nome, ele se emocionou: “É claro que eu escrevo sobre presos, egressos e seus familiares, mas obviamente eu também estou escrevendo sobre mim”.
O problema da visão punitivista também foi abordado por Rodrigo Roig, que afirmou que a prática está ganhando espaço na advocacia penal. “Estamos presenciando um momento perigoso pela influência do populismo penal. Ele vem passando dos discursos políticos cada vez mais para os discursos jurídicos dos atores do sistema de Justiça criminal”, afirmou. O defensor público contou ainda que vê em seu cotidiano sentenças fundamentadas nessas crenças excludentes. Do ponto de vista da reprodução de preconceitos, Ana Arruti endossou que a pauta racial é inevitável ao debate: “Pensar o sistema penal, qualquer tipo de opressão estatal e a segurança pública sem falar de racismo não é um debate sério, nem comprometido intelectualmente”.
Além do recorte de raça, Andrea Tourinho destacou a necessidade de abordar a pauta de gênero. “Não podemos deixar de falar das mulheres encarceradas, que são as mais invisíveis do sistema. A mulher negra é ainda mais, então temos um funil de pessoas invisibilizadas dentro do sistema prisional”, disse a advogada. O combate à reprodução de preconceitos sociais que espelham as desigualdades, segundo Gustavo Proença, não é um chão sólido. “Antirracismo não tem uma fórmula, ninguém sabe como fazer. O que existe é isso: um desembargador que se reconhece como uma pessoa branca em um lugar de privilégio social e não tem medo de ser piegas e dizer que está chorando e mostrando o porquê acontece isso”, afirmou.
Na opinião profissional de Talvane de Moraes, que além de advogado é psiquiatra forense, o preconceito se instala porque o transgressor legal é um personagem que assusta a sociedade. “Há pessoas que acham que o criminoso veio de Marte. Só que o crime é da natureza humana, existe no nosso meio e as pessoas o cometem. Nós temos que lidar com elas como pessoas que estão em conflito com a lei, mas ainda são pessoas”, afirmou o debatedor.