Rio de Janeiro, 11/01/2010 - A Ação de Preceito Fundamental 153 (ADPF), movida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados, no Supremo Tribunal Federal (STF), para questionar a amplitude da Lei de Anistia, poderá ganhar reforço. O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), primeira entidade a representar a advocacia no País, pretende ingressar como amicus curiae, ou como amigo da corte, no processo em curso na instância máxima do Poder Judiciário. O presidente do IAB, Henrique Maués, afirmou que submeterá a questão à votação no plenário da instituição até o fim deste mês. O IAB entraria como o amigo da Justiça, para dar apoio ao Conselho Federal da Ordem e fortalecer o processo e os fundamentos já expostos, afirmou.
A Ordem contesta o artigo primeiro da Lei 6.683/79. A entidade quer uma interpretação mais clara naquilo que se considerou como perdão aos crimes conexos de qualquer natureza quando relacionados aos crimes políticos ou praticados por motivação política. A avaliação da OAB é a de que a norma estende o perdão aos torturadores.
Na ADPF, a entidade pede que não seja estendida a anistia aos autores de crimes comuns praticados por agentes da ditadura, entre os quais homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores ao regime político da época. Para a Ordem, há clara diferença entre os crimes políticos cometidos pelos opositores do regime militar e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo.
O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, deixou claro que a anistia não deve ser confundida com amnésia e que o Estado não tem pendente o dever legal de punir aquele que cometeu crime grave no regime. Para a Ordem, os delitos de opinião não podem ser comparados aos que foram cometidos por pessoas contrárias ao regime e os crimes violentos contra a vida, a liberdade e a integridade pessoal cometidos por representantes do Estado contra elas. Por essa razão, seria ilegal estender a anistia de natureza política aos agentes da ditadura que cometeram crimes comuns.
O compromisso da OAB é com a verdade e a memória. Ingressamos com a ação contra toda a legislação que impedia a abertura dos arquivos da ditadura militar. No final, também com a ação para reconhecer que torturador não pode ser beneficiado com a Lei da Anistia. Centramos o meu mandato na ideia contra o fortalecimento do uso do Estado em detrimento do cidadão. O povo que não tem história se acovarda. O Brasil é grande. Tem que ter coragem de contar o que aconteceu, até porque anistia não é amnésia. Essa foi uma ação importante no mandato, disse Britto, em entrevista recente ao Jornal do Commercio, no qual fez um balanço de sua gestão à frente da Ordem.
A ADPF causou polêmica. A Advocacia-Geral da União (AGU), órgão responsável pela defesa judicial do governo, já se manifestou contrária à ação. Em parecer encaminhado ao Supremo, deixou claro que não vê sentido no questionamento porque não haveria uma verdadeira controvérsia judicial sobre o assunto atualmente. A AGU alegou que a amplitude da Lei de Anistia foi reforçada pela própria Constituição de 1988. Argumentou ainda que, mesmo que a norma fosse revisada, já não haveria mais punibilidade possível por prescrição da prática dos crimes.
Em entrevistas, antes mesmo do ajuizamento da ADPF, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, havia dito que achava muito difícil, para um órgão judicial imparcial como o Supremo, distinguir assassinatos ou barbaridades feitas por um ou outro agente, seja ele privado ou público. Acho muito difícil fazer-se essa ponderação e dizer que o assalto a banco feito por um militante vinculado a um partido maoísta, ou a um partido soviético, ou a um partido cubano teria uma causa nobre, e que a eventual defesa feita por alguém, ou uma barbaridade feita em um quartel, esta deveria ser repudiada, disse.
Apesar do debate que provocou, a ADPF movida pela OAB não é a única a questionar a Lei de Anistia, que está em vigor há 30 anos. Tramitam no STF outras 163 ações, a maioria delas ajuizada individualmente. São cinco agravos regimentais, 49 recursos em mandado de segurança, oito mandados de segurança, 49 recursos extraordinários, um habeas data, duas ações originárias especiais e 49 agravos de instrumento. A maior parte desses processos está nas mãos de Joaquim Barbosa. O ministro é relator de 34 deles.
Para Maués, a interpretação de que a lei abarcou qualquer tipo de crime é ofensiva. Ele lembrou que a anistia protege aqueles que foram perseguidos pelo Estado politicamente e defendeu que todos os arquivos da ditadura sejam abertos, não só para revelar os nomes das pessoas ligadas às Forças Armadas e à Polícia Federal, que praticaram atos de tortura, atos de violência contrários aos direitos humanos, mas também os civis que apoiaram todos esses atos, inclusive financeiramente. Tenho a esperança de que essa ação (movida pela OAB) obtenha êxito, afirmou.
Nesse sentido, Maués cobrou uma posição do Estado. Sem dúvida, o País deve uma resposta. É a pergunta que não quer calar. O que ocorreu com os desaparecidos políticos? Quem apoiou esse regime e ainda se beneficia dele? Essas perguntas ecoam diariamente no cotidiano da sociedade e devem ser respondidas com firmeza e serenidade. Não se trata de uma caça as bruxas. Muito pelo contrário. A resposta representará o amadurecimento da sociedade brasileira e do Estado Democrático, afirmou.
O advogado pede que outras entidades também apoiem a ação da OAB. As entidades que puderem ingressar (como amicus curiae), devem fazê-lo, disse o presidente do IAB. O Instituto dos Advogados Brasileiros tem interesse, pois interpreta que a Lei de Anistia não beneficiou, obviamente, os atos de tortura praticados no regime militar. Essa é uma reafirmação não apenas da Ordem, mas do Instituto dos Advogados do Brasil, acrescentou. (A matéria é de autoria da repórter Giselle Souza e foi publicada hoje no Jornal do Commércio, do Rio de Janeiro)
Fontes:
Jornal do Commércio - Página B-6 - Publicado dia 11/01/2010
OAB-CF
http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=18838