Emanuel Soledade
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Política e Consciência Jurídica
A reação do Ministro Joaquim Barbosa, Presidente do Supremo Tribunal Federal - STF, à intempestiva intervenção de advogado, no transcorrer da própria sessão do Pleno, do STF, é uma demonstração efetiva do aprofundamento das dissidências entre a "grei" que contesta a posição de reconhecimento restritivo do relatório sobre a questão dos direitos ao trabalho externo dos condenados na forma da Ação Penal nº 460 (Mensalão), que ainda não entrou em votação no Plenário. Demonstra, todavia, a reação do Ministro que o seu pedido de aposentadoria está permeado por uma impaciência política que não pode presidir os atos da autoridade pública, mesmo em situações de constrangimento, onde a habilidade na condução é o pressuposto da ação.
É exatamente neste quadro teatral que os partidos políticos de oposição tem sido cautelosos, procurando reconhecer, a dimensão corajosa e moralizadora dos seus pareceres. A excessiva reação do Presidente à interveniência do advogado em Plenário, não repercutiu, todavia, na mesma dimensão entre as organizações coorporativas de advogados, como se observa da declaração do Presidente do Instituto dos Advogados do Brasil, Técio Lins e Silva: nem nos anos de chumbo, os advogados que militaram nos tribunais militares foram submetidos a um espetáculo humilhante e degradante como este. Aliás, o próprio Ministro reagiu junto ao Ministério Público, sentindo-se constrangido no exercício de sua autoridade, não apenas como Relator do Processo, como também de Presidente da Corte Suprema.
O partido da situação e os agrupamentos políticos que se lhe acompanham, se não pela gravidade do ato abusivo no Plenário da mais alta Corte do Brasil, não tomou posição até porque não cabe, vêem no pedido de aposentaria uma oportunidade de se reverter tendências judiciais resultantes principalmente de seus votos, acompanhados quase sempre pela maioria do Plenário do STF. Todavia, é imprescindível que se analise os efeitos da aposentadoria do Ministro no quadro das dimensões extensivas que envolvem o extemporâneo pedido, principalmente, considerando as circunstâncias políticas institucionais, o autor e as suas conseqüências para o país, também no seu contexto histórico.
O exercício que qualquer cargo/função inclusive judiciária, seja a mais nobre ou a mais simples das delegações, exige do homem público consciência política do alcance de seus atos, e decisões públicas, tendo em vista o seu espaço circunstancial, porque elas não se encerram em si mesmas. Os atos e decisões de natureza pública, praticados por aqueles que decidem, são atos políticos, mesmo que revestidos na sua mais pura forma jurídica e, como atos públicos juridicamente fundamentados, são atos de Estado que afetam o sentimento das pessoas, sem o que não se deve também desconhecer o sentimento da autoridade constrangida no seu próprio poder.
Na história brasileira já presenciamos muitos atos praticados por personalidades no poder que provocaram grandes conseqüências nacionais. A renúncia de Jânio Quadros, por exemplo, repercutiu profundamente sobre a vida nacional e seus efeitos não foram suficientemente saneados. Na linha de orientação diversa, e independentemente das simpatias que possa, ou tenha provocado, o suicídio de Getúlio Vargas, para evitá-lo, entregou a sua própria vida (1954), fazendo dela o legado histórico de seu governo. Não importa que tantos o tenham censurado como governante, mas todos, senão apenas opositores, sucumbiram diante do ato extremo de eliminar sua própria vida. Por outro lado, também, subtrair do homem público, o mandato que alcançou legitimamente, por força de ação revolucionária, ou golpista, tem os mesmos efeitos negativos para a história do país que a deposição, como aconteceu, por exemplo, em 1964, com o movimento militar que afastou o Presidente João Goulart.
O Presidente do Supremo Tribunal Federal, em função de seu extemporâneo pedido de aposentadoria, no quadro de aprofundamento de divergências sociais e políticas, tem para o país, como para o seu povo, efeitos de renúncia, senão também nocivos, de graves conseqüências políticas. O juiz não julga pura e simplesmente condutas com base na lei, principalmente quando se trata de questões complexas, e de divergente hermenêutica. A grande maioria do povo vê no julgador, ou naquele que provoca decisão judicial, o propósito de moralizar o exercício da atividade política ou a imprescindível necessidade de impor punições corretivas de práticas de natureza penal ou de improbidade administrativa ou qualquer outra prática que possa ter desviado o sentido previsto em lei. Daí, a conclusão de que o ato de julgar não necessariamente está tomado pela neutralidade, ou pela tecnicidade, ele tem e pode ter grandes dimensões políticas que afetam os rumos do Estado.
Nestes casos, mesmo que no desvario dos condenados, provocando constrangimentos à autoridade, ou mesmo no uso abusivo de suas conexões, quando a autoridade julgadora, renuncia ou se afasta do contexto ambiental dos problemas, refoge à pressão institucional, injusta quase sempre, confundindo-se com mera vingança, deixa a autoridade, o povo ou o Estado à faina daqueles que condenou, ou daqueles que ameaçaram a sua integridade e independência, podem ficar reposicionados como vítimas dos condenados. O despreparo político presumido, é injustificável no homem público, principalmente quando se condena atores ou agentes acusados de ações penais ou por improbidade, os seus efeitos podem repercutir como uma extensa frustração nacional, levando o povo a julgar que seria impossível o Estado resistir à pressão dos agentes políticos incriminados.
Finalmente, neste caso específico, em que faltou uma exata consciência política na apreciação do caso, seja para absorver, seja para condenar, a aposentadoria extemporânea do Ministro - Presidente do STF transfere aos Ministros membros da Corte Suprema, que acompanharam o voto do Relator nos atos condenatórios, senão a posição de resguardar os seus próprios votos, o risco da revisão. Sendo assim, no Estado democrático, o que se espera é que os julgadores não sejam julgados.
*Aurélio Wander Bastos é Professor Titular do Iuperj e UniRio, Jurista e Cientista Político.